ÉTICA E BIOÉTICA

 A Origem e Definição da Ética

     A ética é a área da filosofia que estuda o que é certo e errado no comportamento humano. Desde a Grécia Antiga, os filósofos se perguntavam como devemos viver e agir. Sócrates (469-399 a.C.) fazia perguntas para ajudar as pessoas a pensarem sobre a vida correta. Ele não escrevia nada, mas seus alunos, como Platão (428-348 a.C.), registraram suas ideias. Platão, em obras como A República, argumentava que o Bem supremo é a Ideia do Bem, comparável ao Sol, pois ilumina e dá sentido ao conhecimento e à moralidade. Para ele, uma sociedade justa seria governada por filósofos, que conhecem esse Bem e podem guiar os cidadãos para uma vida virtuosa. Aristóteles (384-322 a.C.) dizia que uma vida boa é aquela cheia de virtudes, como coragem e justiça. Ele comparava isso a um músico que treina muito para tocar bem: uma pessoa ética pratica boas ações até que se tornem naturais.

     Na Idade Média, a religião influenciou muito a ética. Santo Agostinho (354-430) dizia que a bondade vinha de Deus e que seguir os ensinamentos cristãos era essencial para uma vida moral. Ele acreditava que o pecado era resultado do livre-arbítrio mal utilizado e que a verdadeira felicidade só era possível em Deus. Um exemplo disso era sua própria história: antes de se converter ao cristianismo, Agostinho levava uma vida que ele próprio considerava imoral, mas depois passou a buscar a verdade e a justiça em Deus. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) uniu a filosofia de Aristóteles ao cristianismo, dizendo que agir bem era seguir tanto a razão quanto a fé. Ele desenvolveu a teoria da lei natural, segundo a qual os seres humanos têm uma inclinação natural para o bem, como preservar a vida e buscar a verdade. Um exemplo disso é a ideia de que ajudar alguém em perigo é moralmente correto, pois respeita a dignidade da vida humana.

     No Iluminismo, no século XVIII, a ética passou a ser vista de forma mais racional. Immanuel Kant (1724-1804) criou uma regra simples: só faça algo se você achar que todo mundo deveria fazer o mesmo. Por exemplo, se todo mundo mentisse o tempo todo, ninguém confiaria em ninguém. Logo, mentir não pode ser certo.
No século XIX, surgiram novas ideias, como o utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873). Eles acreditavam que uma ação é boa se traz felicidade para a maioria das pessoas.

     No século XX, filósofas como Elizabeth Anscombe (1919-2001) criticaram a ética moderna por perder o foco nas virtudes e na intenção das ações. Ela resgatou ideias aristotélicas, argumentando que a ética deve ser baseada no caráter e não apenas em regras. Judith Jarvis Thomson (1929-2020) contribuiu com a ética aplicada, especialmente em dilemas morais, como o famoso Trolley Problem (Problema do Trem). Esse experimento mental propõe uma escolha difícil: um trem desgovernado está indo em direção a cinco pessoas, mas você pode mudar o trilho para que atinja apenas uma. O que fazer? Essa questão desafia conceitos de moralidade e responsabilidade individual. Outros nomes importantes foram Bernard Williams (1929-2003), que criticou a ideia de que a moralidade pode ser reduzida a regras rígidas, e Philippa Foot (1920-2010), que desenvolveu a teoria das virtudes de forma moderna.

Ética e Moral: Diferenças e Relação

     A ética e a moral são parecidas, mas não iguais. A moral é o conjunto de regras e costumes que uma sociedade segue, enquanto a ética é o estudo dessas regras. Pense na moral como as regras de um jogo de futebol e na ética como o juiz que avalia se as regras fazem sentido.
     A moral pode mudar com o tempo. Por exemplo, antigamente era normal que crianças trabalhassem desde cedo, mas hoje isso é proibido em muitos países porque é considerado injusto. A ética ajudou a questionar essa prática. Outro exemplo: em alguns países, comer carne de vaca é normal, mas na Índia isso é errado porque a vaca é considerada sagrada. Isso mostra que a moral depende da cultura e das tradições de um povo. Já a ética busca entender por que essas diferenças existem e se elas são justificáveis.
Portanto, a moral diz o que as pessoas devem fazer com base nos costumes e regras da sociedade em que vivem. A ética, por outro lado, questiona essas regras e avalia se elas são realmente corretas. Assim, a ética nos ajuda a refletir sobre a moral e a melhorar as regras para que a sociedade evolua.

As Três Principais Teorias da Ética e Para Que Servem

     A ética é o estudo do que é certo e errado. Desde a Grécia Antiga, filósofos tentam responder essa pergunta: o que significa agir corretamente? Ao longo da história, surgiram três grandes respostas para essa questão.

1. Ética do Dever – Fazer o que é certo, sempre

     Essa ideia vem do filósofo Immanuel Kant (1724-1804). Para ele, certas ações são certas ou erradas independentemente das consequências. Ele criou uma regra chamada imperativo categórico, que diz: só faça algo se puder virar uma regra para todo mundo.

Exemplo: Imagine que você pegou um dinheiro perdido no chão. Você deve devolvê-lo? Kant diria que sim, porque, se todo mundo pegasse o que encontra, ninguém mais confiaria em ninguém.

     Essa ética ensina que devemos agir com princípios, mesmo que isso nos cause problemas.

2. Ética das Virtudes – Ser uma boa pessoa

     Essa teoria vem do filósofo Aristóteles (384-322 a.C.). Ele dizia que, mais importante do que seguir regras, é desenvolver boas qualidades como coragem, honestidade e generosidade.

Exemplo: Um jogador de futebol treina todos os dias para ser bom no que faz. Da mesma forma, uma pessoa treina boas atitudes até que elas se tornem naturais. Você se torna honesto sendo honesto todos os dias.

     A ética das virtudes ensina que ser bom não é só seguir regras, mas praticar boas ações até que elas façam parte de quem somos.

3. Ética Utilitarista – O que traz mais felicidade?

     Criada por Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), essa ética diz que o certo é fazer o que traz mais felicidade para o maior número de pessoas.

Exemplo: Imagine que você tem um chocolate e cinco amigos sem nenhum. O que é melhor: comer sozinho ou dividir? Segundo os utilitaristas, dividir é mais correto, pois mais pessoas ficam felizes.

    O utilitarismo ensina que devemos pensar nas consequências de nossas ações e escolher aquela que faz mais gente feliz.

Para que serve a ética?

A ética ajuda a tomar decisões difíceis. Se todos a seguissem, teríamos um mundo mais justo. Cada teoria ensina algo útil:

Kant mostra que regras são importantes para a confiança.
Aristóteles ensina que devemos cultivar bons hábitos.
O utilitarismo nos lembra de pensar no bem comum.
E aí, qual dessas faz mais sentido para você?

Ética das Virtudes – Ser uma Boa Pessoa


A ética das virtudes ensina que, para ser uma pessoa boa, não basta apenas fazer o que é certo. É preciso desenvolver boas qualidades, como coragem, bondade, honestidade e generosidade. Ou seja, a ideia principal é que, quando você tem um bom caráter, vai agir de forma certa naturalmente, sem precisar seguir regras o tempo todo. O filósofo 
Aristóteles (384-322 a.C.) é o mais famoso defensor dessa ideia. Ele dizia que a verdadeira felicidade vem de sermos pessoas boas, com virtudes. Por exemplo, se você vê alguém que precisa de ajuda, como um amigo que caiu no chão, ser virtuoso significa ajudá-lo, mesmo que você esteja com vergonha ou com pressa. Aristóteles acreditava que as virtudes estão sempre no meio: por exemplo, a coragem é uma virtude, mas ela fica no meio de dois extremos: a temeridade (agir sem pensar) e a covardia (ter medo de agir). Ou seja, ser corajoso não é fazer algo arriscado sem pensar, nem ser medroso e não fazer nada. Tomás de Aquino (1225-1274), que estudou as ideias de Aristóteles, acreditava que as virtudes nos ajudam a viver de acordo com a vontade de Deus. Ele dizia que a virtude mais importante é a caridade, que é amar os outros como a si mesmo. Por exemplo, se você vê alguém sem comida, ser virtuoso é dividir o seu lanche com essa pessoa. A filósofa moderna Elizabeth Anscombe (1919-2001) também falou sobre a ética das virtudes. Ela acreditava que, ao invés de apenas seguir regras, o importante é desenvolver boas intenções e agir com honestidade e bondade. Por exemplo, se você está em uma situação em que pode trapacear para ganhar uma competição, mas sabe que isso não é justo, ser virtuoso é escolher ser honesto, mesmo que isso te faça perder. A ética das virtudes nos ensina que, ao praticarmos boas qualidades, como a honestidade, a coragem e a bondade, podemos ser pessoas melhores e agir de maneira justa, ajudando os outros e vivendo em harmonia.

Ética do dever - fazer a coisa certa 

A ética do dever diz que algumas ações são certas ou erradas, independentemente das consequências. Isso significa que você deve fazer o que é certo, mesmo que isso te cause problemas. O principal filósofo dessa ideia foi Immanuel Kant (1724-1804). Ele criou uma regra chamada imperativo categórico: só faça algo se achar que todo mundo deveria fazer o mesmo. Por exemplo, se todo mundo mentisse, ninguém mais confiaria em ninguém. Então, mentir é errado, sempre. Outro exemplo: se você encontrar dinheiro no chão, deve devolver, porque, se todo mundo pegasse, o mundo seria injusto. Depois veio W.D. Ross (1877-1971), que percebeu que às vezes as regras entram em conflito. Exemplo: você prometeu ajudar seu amigo, mas vê alguém machucado na rua. O que fazer? Ross dizia que devemos escolher o dever mais importante naquele momento. Nos dias de hoje, Christine Korsgaard (1952-) defende essa ética em problemas atuais. Por exemplo, não furar filas, mesmo se ninguém estiver olhando. Se todo mundo furasse fila, o caos tomaria conta. A ética do dever nos ensina que o certo é certo, mesmo quando ninguém está vendo.

Ética Utilitarista 

A ética utilitarista ensina que a melhor ação é a que traz mais felicidade e menos sofrimento para o maior número de pessoas. Ou seja, quando você tiver que escolher, deve escolher a opção que ajude mais pessoas e cause menos problemas. O principal filósofo dessa ideia foi Jeremy Bentham (1748-1832). Ele acreditava que cada ação deve ser avaliada pela quantidade de prazer ou dor que ela gera. Por exemplo, se você ajudar um amigo a estudar para uma prova, isso é bom porque o ajudará a ter sucesso e ficar feliz. John Stuart Mill (1806-1873), outro grande filósofo do utilitarismo, dizia que nem todos os prazeres são iguais. Para ele, prazeres mais elevados, como aprender ou ajudar os outros, são melhores que prazeres simples, como comer chocolate. Por exemplo, estudar para ser uma pessoa melhor e mais sábia pode ser mais valioso do que simplesmente passar o dia assistindo TV. Henry Sidgwick (1838-1900), também um importante pensador utilitarista, dizia que precisamos pensar nas consequências de nossas ações para todos, e não apenas para nós mesmos. Se você decidir não furar uma fila, por exemplo, você está ajudando a manter a ordem e a justiça, o que traz felicidade para todos. A ética utilitarista nos ensina a fazer o melhor para todos, buscando o maior bem possível para a maior quantidade de pessoas.

Judith Jarvis Thomson e o Problema do Trolley

O Problema do Trolley é uma história criada pela filósofa Philippa Foot em 1967. Ela nos faz pensar sobre o que devemos fazer em situações difíceis. Imagine que um trem desgovernado está indo em direção a cinco pessoas presas nos trilhos. Você está perto de uma alavanca que pode mudar a direção do trem para outro trilho, mas nesse novo trilho há apenas uma pessoa. A pergunta é: você muda a direção do trem e salva as cinco pessoas, sacrificando uma? Ou você não faz nada e deixa o trem seguir seu curso, matando as cinco pessoas? Esse dilema ajuda a pensar sobre qual escolha seria moralmente certa.
Judith Jarvis Thomson, em 1976, fez uma variação desse problema. Ela escreveu um artigo chamado "Killing, Letting Die, and the Trolley Problem" onde ela criou um novo cenário. Agora, você está em cima de uma ponte, e há uma pessoa gorda na sua frente. Para salvar as cinco pessoas nos trilhos, você teria que empurrar essa pessoa para baixo, fazendo com que o trem a atropelasse. A pergunta é: é certo empurrar alguém para salvar outras pessoas? Thomson explica que, embora muitas pessoas aceitem mudar o trilho para salvar mais vidas, a maioria acha errado empurrar alguém para a morte, porque isso é uma ação direta e intencional. Esse dilema nos faz pensar sobre o que é mais aceitável: fazer algo ativo para salvar pessoas ou não fazer nada?
Esse tipo de dilema está muito relacionado à bioética, que é o estudo sobre decisões morais na saúde e na vida das pessoas. A bioética nos ajuda a pensar em questões difíceis como, por exemplo, a morte cerebral. Quando alguém tem morte cerebral, isso significa que o cérebro da pessoa parou de funcionar completamente. Às vezes, os médicos precisam decidir se devem desligar os aparelhos que mantêm a pessoa "viva", mesmo sabendo que isso vai causar a morte. Essa decisão é difícil porque envolve escolher entre prolongar a vida artificialmente ou deixar a pessoa ir.
Outro exemplo de bioética aconteceu durante a pandemia de COVID-19. Os hospitais estavam cheios, e não havia respiradores suficientes para todos. Os médicos precisaram decidir quem deveria receber o tratamento. Geralmente, eles tentaram dar prioridade para pessoas mais jovens e com mais chances de sobreviver, o que às vezes significava que pessoas mais velhas ou com doenças graves não receberiam o tratamento necessário. Essas decisões, assim como o Problema do Trolley, nos fazem refletir sobre quem deve viver e quem deve morrer, e como fazer essas escolhas de forma justa.
A bioética ajuda a pensar nesses dilemas, tentando equilibrar o que é melhor para muitas pessoas, mas sem esquecer o valor da vida de cada indivíduo. Em situações difíceis, como o Problema do Trolley, precisamos tomar decisões cuidadosas, pensando no que é moralmente certo.

O Dilema do Trem: O Que é Certo? O Que é Justo?

1. Utilitarismo – O Maior Bem para o Maior Número

O utilitarismo diz que devemos sempre escolher a opção que traz o maior bem para o maior número de pessoas. Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) acreditavam que devemos calcular as consequências das nossas ações.

No problema do trem: Um utilitarista puxaria a alavanca, sacrificando uma pessoa para salvar cinco, porque cinco vidas valem mais do que uma.

Exemplo real - Pandemia e respiradores: Durante a COVID-19, havia poucos respiradores nos hospitais. Os médicos tiveram que decidir quem teria prioridade. Segundo o utilitarismo, deveriam dar os respiradores para os mais jovens e saudáveis, pois eles têm mais anos de vida pela frente, mesmo que isso significasse não ajudar idosos ou doentes graves.

Problema do utilitarismo: Essa visão pode ser cruel. Ela trata as pessoas como números e pode justificar sacrifícios injustos, como negar tratamento a alguém só porque tem menos anos de vida restantes.


2. Ética Deontológica – Seguir Regras Sempre

A ética do dever, criada por Immanuel Kant (1724-1804), diz que devemos seguir regras morais, independentemente das consequências. O certo é certo e o errado é errado, sem exceções.

No problema do trem: Kant diria que não podemos puxar a alavanca, porque matar alguém de propósito (mesmo para salvar cinco) é errado.

Exemplo real - Morte cerebral: Se uma pessoa tem morte cerebral, isso significa que ela nunca mais acordará. Muitos países permitem desligar os aparelhos para doar órgãos e salvar outras vidas. Mas, para Kant, desligar os aparelhos seria errado, pois isso significaria causar diretamente a morte, o que nunca pode ser justificado.

Problema da ética do dever: Seguir regras sem considerar o contexto pode levar a situações absurdas. No caso da morte cerebral, manter uma pessoa ligada às máquinas indefinidamente pode não ser a melhor escolha.


3. Ética das Virtudes – O Que Faria uma Pessoa Boa?

A ética das virtudes, criada por Aristóteles (384-322 a.C.), diz que devemos agir como uma pessoa sábia e justa agiria. O que importa não é apenas seguir regras ou calcular consequências, mas ser uma pessoa virtuosa, ou seja, alguém que age com sabedoria, coragem e compaixão.

No problema do trem: Uma pessoa virtuosa analisaria a situação e tomaria uma decisão equilibrada, considerando o sofrimento envolvido.

Exemplo real - Bebês prematuros e cuidados médicos extremos: Em alguns casos, bebês nascem extremamente prematuros e os médicos precisam decidir até onde ir com os tratamentos. Algumas vezes, as chances de sobrevivência são mínimas e os procedimentos podem causar muito sofrimento ao bebê. A ética das virtudes ajudaria os médicos e os pais a tomarem a decisão mais humana possível, levando em conta o bem-estar do bebê, sem seguir regras rígidas.

Problema da ética das virtudes: Não há uma resposta clara ou regra fixa. Cada pessoa pode ter uma opinião diferente sobre o que é "virtuoso", tornando as decisões difíceis e confusas.


Conclusão – Nenhuma Teoria é Perfeita

Se seguíssemos essas teorias à risca:

  • Utilitarismo: Sacrificamos uma pessoa para salvar cinco. No hospital, priorizamos quem tem mais chance de viver.
  • Ética Deontológica: Não fazemos nada, porque matar diretamente é errado. Não desligamos aparelhos, mesmo em casos sem esperança.
  • Ética das Virtudes: Buscamos a melhor decisão para a situação, mas sem uma regra clara.

Nenhuma dessas teorias resolve todos os dilemas morais. A bioética, que estuda esses problemas na medicina, precisa equilibrar essas ideias para tomar decisões justas e humanas. O Problema do Trolley mostra que a moralidade não é simples e que, muitas vezes, qualquer escolha terá consequências difíceis.


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